Millene partiu para a Espanha para uma experiência profissional de seu esposo. A escolha pelo país foi proposital, a carioca se apaixonou pela pequena cidade de Alicante e pretende voltar em definitivo.
Millene Guimarães
25 anos
Alicante, Espanha
Cidade Natal: Nova Iguaçu, Rio de Janeiro
Casada
Eu moro com meu marido. Com sete/oito meses de casados nos mudamos para Espanha.
Há quanto tempo está no país?
Estou morando em Alicante desde abril/2013.
Com o que você trabalhava no Brasil e qual o seu trabalho atual?
No Brasil eu estudava e era bolsista da universidade. Aqui na Espanha eu não posso ter nenhuma atividade laboral porque o meu visto de permanência de 1 ano não é de trabalho e sim, de “reagrupamento familiar” que foi o motivo que me motivou a viver no país. Quando tiramos o visto de residência no Brasil, no Consulado Espanhol, é necessário especificar e comprovar o motivo de estar no país na instância superior a 3 meses. O meu visto é dependente do visto do meu marido que tem o visto de estudante que serve para professores que estão no país realizando pesquisas em universidades.
O que te levou a sair do Brasil?
A maior motivação foi à experiência de viver em outro país que já era algo que estava em nossos planos e a partir da proposta do programa Ciências Sem Fronteiras do Governo Federal Brasileiro que contempla uma bolsa de pesquisa de pós-doutorado a professores, a proposta nos pareceu perfeita.
Porque escolheu a Espanha e Alicante?
Meu marido me propôs tentar o programa de estudos nos EUA. No entanto, o lugar era muito frio, cidade pequena e outros motivos que pensamos que não seria tão bom viver numa cidade assim. E então, surgiu a possibilidade de Alicante por conta de um contato de trabalho que o meu marido tinha com o professor da Universidade de Alicante. E a partir daí, nos simpatizamos com a ideia de viver na Espanha porque já tínhamos estado em 2011 a turismo e foi bem bacana. Alicante é uma cidade pequena, mas com um clima ótimo, não tem um inverno tão rigoroso e além de ser litorânea.
Conhece o idioma? Já conhecia quando se mudou?
Eu já estudava espanhol no Brasil em cursos e na graduação. Eu faço Letras – Língua Portuguesa/Língua Espanhola. Então, pensar em morar num país de língua espanhola só teria a contribuir para a minha formação acadêmica, além de uma experiência de vida.
Qual o custo de vida? É mais barato ou mais caro em relação à sua cidade natal?
Aqui é mais barato. Eu moro na melhor região de Alicante, perto da praia, do comércio e transporte. No Brasil, eu moro na Baixada Fluminense, região metropolitana do RJ, e o preço de um aluguel no bairro em que fica a minha casa no Brasil custa uns 500 reais mais barato que o apartamento que moro aqui, sendo bem menor, sem praia e sem infraestrutura. Em questão de lazer e turismo o Rio de Janeiro está caríssimo. Em Alicante, mesmo sendo em euro, o valor cobrado em restaurantes, boates, teatros e etc. têm um preço justo. O transporte é relativamente barato por poder adquirir um cartão com um número de passagens que torna as viagens mais baratas. Os custos de luz, gás e água também são razoáveis.
As estradas não têm nem comparação com a cidade que moro aí. Na minha cidade, Nova Iguaçu onde aproximadamente 50% da população vivem na pobreza sendo a 6º maior economia do Estado do RJ (dados de 2009), ainda tem ruas sem asfalto. Não há o que comparar. Aqui as estradas de via rápida (alta velocidade) todas têm pedágios que são pagos por trechos e eu não acho tão barato. Mas, as estradas são excelentes e funcionam. O transporte público parece atender muito bem a população. Os horários dos ônibus e metrô (não é bem um metrô, é mais lento) são indicados nos painéis nos pontos de parada, os intervalos são razoáveis, estão sempre limpos e climatizados (ar condicionado e aquecedor). Já a saúde pública, eu não tive contato. Eu precisei ir a médicos, mas fui através do seguro saúde que eu paguei. É obrigatório a residentes estrangeiros para viver aqui ter um seguro. A limpeza de Alicante é incrível. Todas as madrugadas, as ruas são lavadas e recolhem o lixo. Aqui há coleta seletiva, só cabe ao morador separar o seu lixo e depositar nas lixeiras determinadas. Há lixeiras para óleo de cozinha e até para deposito de roupas usadas que são recolhidas, limpas e doadas. Outra questão que é gritante é a segurança. Hoje a Espanha está passando por momentos difíceis por causa da crise. Houve um aumento de 11% no índice de violência no país caracterizado por furtos sem violência direta e assalto a casas. No entanto, não vejo isso refletido nas ruas de Alicante. Acredito que em grandes centros como Barcelona e Madri essa questão pode estar sendo vista. Sempre me senti muito segura e respeitada pelos policiais que tratam com muita educação até quem está trabalhando irregularmente como os africanos camelôs. Eu não sei como são essas questões de infraestrutura pela Espanha afora. Tenho a visão de Alicante, da zona que eu moro, que é uma cidade de aproximadamente 300.000 habitantes, muito turística e valorizada pela Comunidade Valenciana.
O que te chamou atenção na cultura espanhola?
Aprendi muito com os espanhóis do mediterrâneo, principalmente, que é muito bacana viver em um país em que as pessoas não te olham querendo saber o quanto você ganha, que não é preciso se afirmar socialmente. Me chama a atenção o jeito do espanhol aproveitar a vida. Eles fecham os seus comércios e param de trabalhar para almoçar em casa – é a famosa “siesta” -, tomar o seu vinho e tirar um cochilo à tarde entre às 14h até 17h. É uma tradição que eu não entendia, assim como fechar o shopping aos domingos porque é um dia merecedor de descanso. Eu não entendia porque eu tinha a minha rotina de fazer mil coisas em 24hs como se eu parasse para sentar por 10 minutos do meu dia para olhar para o teto o mundo fosse estar uma loucura quando eu voltasse às tarefas. Outro hábito que “me encanta” é levar comida de casa para comer nos trabalhos, escolas, faculdades, praças e praias. No Brasil, se fazemos isso somos taxados de pobre e etc. E aqui além de levar a comida, as pessoas ainda compartilham e as trocam caso queiram. Também me chama a atenção à simpatia que as pessoas te atendem e falam com você desde uma vendedora de uma loja que quando você entra já te cumprimenta (estou falando de uma magazine e não de uma loja de 1 vendedora), caixa do supermercado, garçom ao policial, médico e etc. Não tem quantia que limite alguém falar ou não com você. Outro aspecto que acho excelente é a individualidade e o respeito ao espaço do outro, até hoje não conheci nenhum espanhol que seja tão invasivo como o brasileiro. As pessoas aqui querem ter conversas agradáveis e ponto, cada um sendo reservado com sua vida. Enfim, o espanhol alicantino em geral é educado e simpático.
Bom, não chega a ser engraçada, mas desde que eu cheguei aqui, eu vi carne de “pavo” no mercado. Eu não sabia o que era então, olhei na internet e vi que era carne de pavão. Achei aquilo um horror. Coitado dos pavões, tão bonitos e tal. Só que há quase um mês atrás eu descobri que “pavo” é peru. Aí, passei a consumir. E é ótimo. Perdi o ano todo podendo comer e não comi com pena do pavão que não tinha nada a ver com a história. Outra coisa inusitada foi descobrir que os espanhóis jogam fora o coração, pé, pescoço da galinha. Um desperdício. Eu doida para comer canja de coração de galinha e eles nem aí. Uma pena. Agora só no Brasil. Algo que eu também acho bem legal é a galera na praia fazendo topless e trocando a roupa (calça, bota, calcinha, sutiã, cueca e etc..) por roupa de banho enrolado na toalha. Até hoje não entendo porque já não ir à praia vestido de biquíni/calção de banho. Gosto da liberdade dos espanhóis, algo natural tanto para as senhoras de 80 anos como para as meninas de 20 anos. Outra coisa interessante é que ninguém vende comida na praia. Ouviu alguém gritando “olha a empadinha, quem vai querer” é impossível. Ninguém vende comida na praia, acho que pelo motivo das pessoas levarem comida de casa.
O que do Brasil te faz mais falta? Em que momento você sente/sentiu mais saudade?
Eu não sinto saudades do Brasil. Não sou uma pessoa saudosista. Eu sou muito mais feliz aqui. O que sinto falta é da minha família e amigos. Minha família veio nos visitar em setembro, já deu para matar um pouco da saudade. No início, eu sentia muita falta da comida, mas agora que amo as “tapas”, “pinchos” e vinhos nada mais me ganha. E eu adapto abrasileirando todas as comidas. Eu fiz até empadinha para o meu aniversário sem ter forma de empada para os meus amigos gringos, rsrs.
Do que você não sente falta no Brasil?
Não sinto falta da insegurança e violência. Eu às vezes me pergunto se estou sendo muito critica nesse aspecto, mas depois que vim morar aqui percebi que vivemos numa ilusão de segurança. Você não poder andar por aí com seus pertences caros ou não, mas de estimação porque alguém pode te assaltar e de quebra te matar por algo ridículo. Conheço pessoas que fazem seguro contra roubo de Ipad, Iphone e notebook. Como viver em um país que existem tantas modalidades de crimes que na mídia as pessoas alertam o que fazer e não fazer. A insegurança vem de todos os lados. Insegurança da parte de bandidos e policiais. Essa questão no Brasil é a que mais me causa pânico e horror. E também a falta de educação das pessoas que são incapazes de fazer algum gesto de gentileza. A não ser como já vi várias vezes que se for um “doutô ciclano” com o nariz empinado achando que é merecedor de um tratamento diferenciado, as pessoas mudam até de cor para agradar o sujeito. Lamentável. E também não sinto falta do trânsito e de não ter carro aqui. Pensar que sexta-feira era o pior dos dias para voltar para casa, é difícil aceitar essa realidade.
Você terá que voltar ao Brasil quando? Gostaria de ficar aí?
Volto agora em fevereiro. Eu e meu marido gostaríamos muito de ficar e não voltar mais ao Brasil, a não ser para visitar nossos amigos e familiares. Mas planejamos voltar em anos futuros para morar novamente e após a aposentadoria (risos) para morar de vez.
Volto agora em fevereiro. Eu e meu marido gostaríamos muito de ficar e não voltar mais ao Brasil, a não ser para visitar nossos amigos e familiares. Mas planejamos voltar em anos futuros para morar novamente e após a aposentadoria (risos) para morar de vez.
Qual o seu sentimento pela Espanha?
Tenho um sentimento de alegria e gratidão por ter me proporcionado em 1 ano outra visão de mundo, outro olhar social, outra percepção de vida. Foi muito enriquecedor o período aqui. Aconselho a todos que tenham a oportunidade de sair do Brasil que saia para viver outras experiências.
Tenho um sentimento de alegria e gratidão por ter me proporcionado em 1 ano outra visão de mundo, outro olhar social, outra percepção de vida. Foi muito enriquecedor o período aqui. Aconselho a todos que tenham a oportunidade de sair do Brasil que saia para viver outras experiências.
O que mudou em você antes e depois da Espanha?
Mudou a minha pressa com a vida. Percebi que posso andar mais devagar na rua, ter mais calma em tudo. Viver em uma cidade menor te proporciona uma vida com menos correria. Já em cidade grande como o Rio de Janeiro é tudo tão corrido e estressante que você perde coisas tão valiosas. Eu quero tentar levar a “calma” comigo na bagagem. Mudou também a minha maneira de olhar o outro. No Brasil, mesmo que não façamos por mal sempre analisamos as outras pela aparência. Aqui, não dá para ter pré-julgamento sobre ninguém porque as pessoas não são segregadas por questões sociais e financeiras e nem querem aparentar o quanto ganham ou gastam. Os espanhóis são mais reservados. E aprendi a ser também. Nada de perguntas sobre dinheiro e coisas do gênero porque isso não interessa a ninguém. Acho bacana essa delicadeza dos espanhóis.
Mudou a minha pressa com a vida. Percebi que posso andar mais devagar na rua, ter mais calma em tudo. Viver em uma cidade menor te proporciona uma vida com menos correria. Já em cidade grande como o Rio de Janeiro é tudo tão corrido e estressante que você perde coisas tão valiosas. Eu quero tentar levar a “calma” comigo na bagagem. Mudou também a minha maneira de olhar o outro. No Brasil, mesmo que não façamos por mal sempre analisamos as outras pela aparência. Aqui, não dá para ter pré-julgamento sobre ninguém porque as pessoas não são segregadas por questões sociais e financeiras e nem querem aparentar o quanto ganham ou gastam. Os espanhóis são mais reservados. E aprendi a ser também. Nada de perguntas sobre dinheiro e coisas do gênero porque isso não interessa a ninguém. Acho bacana essa delicadeza dos espanhóis.
Se tivesse um filho, quais características ensinaria/gostaria que ele tivesse do jeito brasileiro e da maneira espanhola de ser?
O jeito brasileiro e espanhol não tem grandes diferenças. Ambos são latinos como eles falam aqui. São alegres, festeiros, gostam de comer e beber e dançar. E também as pessoas são diferentes aqui e aí, não tem uma forma de nacionalidades com um comportamento único. Eu dei a sorte de conhecer espanhóis afetuosos, educados e amistosos como meus amigos brasileiros.






13 Comentários
Parabéns por mais uma bela matéria e que num futuro muito próximo a entrevistada Millene de 'Longe' Iguaçu consiga sair daqui o mais rápido possível!
ResponderExcluirBrincadeiras a parte com o nome da cidade. Sou de São Gongolo e moro tão mal ou pior!
Obrigada, Luiz. Que bom que meu ponto de vista te agradou! Abraços.
ExcluirMuito legal. Moro na zona norte do RIo de Janeiro e estou passando pela mesma coisa. Vou morar por um ano em Ottawa no Canadá. Estou completamente apaixonada pela cidade e já estou triste em pensar que tenho que voltar para o Brasil.
ResponderExcluirBoa sorte, Juliana. Já estou no Rio e não senti tristeza ao voltar. A vida é feitas de oportunidades e no momento a minha grande oportunidade é no Brasil. Temos que tirar proveito de tudo!! Abraços.
ExcluirAdorei sua entrevista. Também penso o mesmo em relação ao Brasil. Só não gostei da parte que você fala para não visitar Madri, pois moro nesta cidade há quase quatro anos...; ) umanonaespanha.blogspot.com
ResponderExcluirOi Juliana. Obrigada. Não falei mal de Madri.. rs amo essa cidade.. penso logo nos "Huevos de Lucio" e na Kapital rsrs.. só falei o que ouço por aí. Muitas pessoas falando mal da Espanha por só conhecer Madri (de qualquer jeito) e tomar como o país todo, que é uma "colcha de retalhos" de tanta diversidade. Tudo de bom para você.. abraços :)
ResponderExcluirMilene, minha Universidade está me proporcionando um intercâmbio de um ano com a Universidad de Alicante. Eu teria apenas que arcar com moradia e alimentação. Tenho cidadania alemã e me falam que não sendo extracomunitario, posso além dos estudos trabalhar normalmente. Estou no nono período de Direito. Você acha que vale a pena e que consigo algum trabalho apenas pra me manter? Adorei seus comentários. Abraços.
ResponderExcluirOlá, Milene, muito bom o seu texto! Estou recém aposentada, sou do RJ, não tenho cidadania espanhola, mas pretendo ir para a Espanha, em definitivo, com visto de Residência não Lucrativa, emitido através do Consulado Espanhol no Brasil, com base no Acordo bilateral entre Brasil x Espanha para residentes aposentados. Não poderei e nem pretendo trabalhar mais. Quero colher os frutos do que plantei aqui. Dei meu sangue aqui no Brasil, trabalho desde os 17 anos, casei, continuei trabalhando e estudando, tive 2 filhos q já têm suas vidas independentes, e chegou a hora de colocar o pé no mundo. Já viajei várias vzs pra Europa, somente em férias do trabalho, na correria. Conheci 10 cidades em Espanha, numa excursão, mas não conhecia Alicante e estou pesquisando esta e outras no sul da Espanha. Caso tenha conhecimento de uma condominio fechado, com aluguéis razoáveis, eu preciso apenas de um quarto e sala mobiliado, não precisa ser tão perto da praia,pois são os mais caros. Consegui alguns sites de aluguel de imóveis, estou em 6 grupos de brasileiros na Espanha e não paro de pesquisar. Espero ir até o final do ano. Obgda. Bjsss
ResponderExcluirOlá Milene, manero sua postagem.
ResponderExcluirEstou com uma indicação de meu grupo de pesquisa na UnB para Alicante, com o Prof. Atienza em teoria da Argumentação. Bom, preciso de algumas orientações de estadia, pois vou com familia e somos 5 indivíduos. Então bairro perto da UA, apartamento de 3 quartos, preço de aluguel...
Agradeço a ajuda.
Oi.
ResponderExcluirLi suas impressões sobre Alicante e o povo espanhol. Devo me aposentar em 2018 e pretendo mudar do Brasil, pelas razões exaustivamente enumeradas por todos. Pensei inicialmente em Portugal, mas ultimamente tenho pesquisado sobre a Espanha e Alicante parece ser a cidade ideal . Só preciso saber como fazer pra levar meu cachorro, pois sem ele a esposa não vai querer ir.
Olá Milena, bom dia!
ResponderExcluirAchei seu blog hoje.
Vou mudar para Alicante em setembro, com meu esposo e filho de 8 anos. Vamos ficar 1 ano lá, bolsa do Doutorado Sanduiche.
Vamos conversar? Preciso de dicas, principalmente para aluguel de Apto. Rs
Olá, Millena! Que entrevista ótima e bem detalhada. Estou me preparando para ir para Alicante com minha filha no próximo ano. Ela irá estudar. Temos a dupla nacionalidade e também moramos no Rio de Janeiro, perto de Madureira...rs
ResponderExcluirEm qual bairro vocês viveram lá?
Sei que precisamos morar próximas à instituição de ensino, e gostaria de ir pesquisando boas dicas de bairros. Super obrigada! Fico na torcida para o seu breve retorno à Alicante!!!
Desculpa, minha filha é Millena. Vc é Millene. Perdão...rs :)
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