O período de intercâmbio não foi o suficiente. Wilton se apaixonou pelo Chile no período em que passou estudando no país em 2013 e resolveu voltar, agora em definitivo.
Wilton Black
23 anos
Santiago, Chile
Cidade Natal: Londrina, Paraná
Solteiro
Há quanto tempo
está morando fora do país?
Cheguei aqui no Chile em fevereiro, mas já morei
por aqui em 2013 como intercambista. Agora decidi voltar para trabalhar.
O que te levou a
sair do Brasil?
Eu não diria que algo tenha me levado a sair do
Brasil, a não ser a vontade de ter a experiência de viver em outro lugar.
Quando saí de casa a primeira vez, em 2013 justamente para um intercâmbio no
Chile, eu conquistei uma independência diferente da que estava acostumado.
Desde os meus 18 anos eu trabalho, mas sempre morei com minha família. Quando
cortamos o cordão umbilical, voltar a atá-lo é quase impossível. Voltei do meu
intercâmbio com ganas de mais aventuras e de conquistar mais independência. Ano
passado, em 2014, me formei em Jornalismo e decidi me mudar. O Chile desde
sempre foi uma primeira opção; primeiro por eu já conhecer o país e Santiago;
segundo por deixei por terras chilenas mais do que amigos, deixei alguém que
construí uma história bacana e isso foi mais um impulso pra voltar.
Porque escolheu
Santiago e o Chile?
Acho que respondi essa aí em cima, mas vou
complementar: Santiago é uma cidade grande, bem estruturada onde você pode
encontrar de tudo e todo tipo de pessoas. Eu me apaixonei pela cidade entre a
cordilheira e já me sinto um santiaguino.
Você mora
sozinho?
Com meu “namorido”, que é chileno. O conheci em
2013 quando estava de intercâmbio.
Qual seu grau de
domínio da língua?
Acredito que domino bem o espanhol. Apesar de
entender bem e poder falar sem problemas, sempre me surpreendo com palavras e
expressões. Conviver com um idioma novo 24 horas por dia é outra experiência
única. Quando tive de intercâmbio pude estudar o espanhol de forma avançada,
pois tinha disciplinas narrativas (estudei jornalismo) e Língua Espanhola. No
Brasil eu estudei o básico, apenas para não passar vergonha (e mesmo assim
passei algumas vezes, rs).
Qual o custo de
vida? É mais barato ou mais caro em relação à sua cidade natal?
Em relação à Londrina é mais caro, especialmente a
comida e atividades como ir ao cinema e livros, coisas que eu geralmente gasto
mais. Livros por exemplo chega a ser absurdo. No Brasil também é caro, se
formos pensar, mas aqui é mais. O Chile tem um dos maiores impostos em livros
do mundo, alcançando 19% a mais que no Brasil. Comida depende muito, o preço varia
conforme o lugar, mas acho frutas e verduras bem mais caro. Além do mais, eu
fico sempre querendo comer coisas brasileiras que aqui não são comuns no
cardápio como feijão, alguns tipos de carne, etc.
Qual a relação
de infraestrutura de Santiago você faz com sua cidade natal e o Brasil?
Santiago tem uma ótima infraestrutura,
especialmente porque é a porta de entrada dos turistas no Chile. É uma cidade
que sempre está cheio de turistas e os recebe muito bem. O metrô de Santiago é
muito limpo e organizado; já os ônibus são um pouco confusos, mas pelo que
percebo alcança bem a população. Quando estudei aqui vi uma grande luta pela educação
chilena. Aqui a educação pública não é gratuita e é motivo de muitas lutas,
protestos e paralisações, tanto em universidades públicas quanto privadas, pois
estudar aqui é caro. A saúde é algo que ainda não conheço muito bem para dizer,
mas pelo que vejo atende bem a população, mesmo assim há notícias de greves ou
grandes filas de espera. No Brasil eu sempre usei dos serviços públicos, tanto
na saúde quanto de educação. No quesito qualidade e aceso, nós perdemos para o
Chile, pois aqui o alcance é maior e como boa parte é feito pelo setor privado,
a qualidade é superior. Por outro lado, o acesso dos mais pobres a uma educação
de qualidade e à saúde se faz mais difícil pelos altos preços e se nota um
serviço público como no Brasil, ainda carente de recursos.
Como você avalia o mercado de trabalho para brasileiros aí? E também em sua área especificamente. Você conseguiu emprego?
Eu acho que o Chile está um pouco saturado, porque muito imigrantes têm chegado por aqui, especialmente peruanos, haitianos e colombianos. Muitos brasileiros também têm chegado e como o processo de visto é demorado, acabam tendo que esperar alguns meses até encontrar um bom trabalho. A crise também chegou por aqui, mesmo que de uma forma diferente, mas chegou. Na minha área acho que as coisas são parecidas com o Brasil. Salário parecido e poucas vagas. Jornalismo nunca teve um mercado de trabalho muito dinâmico, infelizmente.Ainda não estou trabalhando, mas já tenho um emprego em uma multinacional americana no setor de vendas online. Vou trabalhar com comunicação, que é a minha área, mas não especificamente jornalismo. Estou ansioso para começar o trabalho, pois será um cargo bilíngue, terei que lidar com o espanhol e o português o tempo todo.
O que te chamou
atenção na cultura chilena?
Gosto muito das raízes indígenas chilenas e como
elas se mantém, especialmente no norte do país. A cultura Mapuche (índios que ocuparam
essa região na época do descobrimento) é muito forte. Também gosto de como os
chilenos se interessam por política e mantém um elo forte com o passado
sangrento da ditadura. Esses temas estão sempre nas rodas de amigos e são
discutidos nas universidades. Eu sinto falta disso no Brasil, discutir
política. A população não se interessa, e quando se interessa não mantém um senso
crítico ou um conhecimento da sua própria história. Gosto dos personagens
históricos chilenos também como Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Salvador
Allende, Victor Jara e Violeta Parra; são protagonistas da história, da música
e da literatura chilena, todos eles com fortes vínculos políticos.
Tem alguma
história engraçada ou inusitada que aconteceu com você no país?
Tenho algumas, rsrsrs. No primeiro dia que cheguei
(da primeira vez que morei aqui), saí para comer, estava “varado” de fome.
Estava com um chileno que conheci pela internet, que me ajudou muito no começo
e fomos comer um “completo”. O famoso completo é uma espécie de cachorro quente
que leva muita maionese, ketchup, salsicha e algo que eu não suspeitava:
abacate. Vi uma foto de um lanche no cardápio e não vi nada de anormal. Para
mim, o verde era a famosa alface, que ao menos no Paraná comemos nos lanches...
Quando comecei a comer e senti o gostinho diferente me arrependi de não ter
perguntando. Comi mesmo assim, devido à fome, mas não gosto da combinação
qualquer coisa com abacate que fazem aqui. Sempre acontece alguma história
engraçada com as palavras em espanhol que são muito parecidas com o português,
mas tem significados bem diferentes. Aqui no Chile “estar com fome” é estar
entediado. Eu não sabia, é claro, e vivia repetindo “Que fome”, até que um dia
me contaram e percebi minha inocência, hahaha.
O que do Brasil
te faz mais falta? Em que momento você sente ou sentiu mais saudade nesse tempo?
Eu sempre sinto falta do Brasil. Gosto do Brasil e do
nosso povo, além do mais, acho a cultura brasileira uma das mais lindas e ricas
da América Latina. Acho que o que mais sinto falta é da comida, de tomara
guaraná, açaí, frutas de todo tipo quase o ano inteiro... feijão com arroz,
catupiry e coisas que aqui não tem ou são absurdamente caras. Vivo escutando
bossa nova, sempre gostei, mas estando longe do país tem um gostinho especial.
Na primeira vez que vim quase não deu tempo de sentir falta, pois estava sempre
ocupado, viajando ou estudando. Desta segunda estou com mais saudade, pois
mantenho meus objetivos na busca de um trabalho por aqui, então as coisas estão
diferentes. O Brasil é um país incrível e as pessoas precisam perceber isso.
Do que você não
sente falta no Brasil?
Não sinto falta da corrupção e dos políticos. Não
sinto falta do pessimismo da nossa população e da violência que quase sempre te
espreita nas ruas. Não sinto falta de pequenas coisas que as pessoas fazem e
não se dão conta como furar fila ou tomar proveito de certas situações. E não
sinto nenhuma falta de como somos burocráticos.
Você gosta da comida chilena? É muito diferente da brasileira?
Em um primeiro momento eu não gostei muito. Nunca
fui fã de abacate, por exemplo, e aqui eles com quase tudo. Com o tempo fui me
acostumando com os pratos. Não sou muito bom em culinária, mas aprendi a amar
um prato chamado “cazuela”, uma espécie de sopa. Outro prato que gosto é a
“chorrillana”, que nada mais é que uma porção de batatas, carne, cebola e
ovo, variando de lugar para lugar. Acho a culinária diferente da brasileira,
falta um pouco de tempero, o nosso tempero eu diria.
Aqui tem muitos parques e praças. Santiago é uma
cidade onde as pessoas adoram se sentar na grama e ver a vida passar. Eu também
gosto disso. Sempre saio para caminhar, me deito na grama para ler um livro. As
pessoas aqui também leem muito e eu adoro o serviço de bibliotecas que eles
oferecem no metrô. Também gosto de andar de bicicleta, no centro tem muita
ciclovia e às vezes vou ao bairro BellaVista, a parte boêmia da capital
chilena. Lá você encontra muita cultura, cerveja, música ao vivo.
Você encontrou
algum problema para obtenção de documentos e visto?
É um pouco burocrático e caro, mas nenhum problema.
Por ser brasileiro foi mais fácil, pois pude obter o visto Mercosul, que é mais
rápido e prático que os demais.
O que você menos
gosta na cidade, ou no país?
A cidade é muito seca devida à falta de chuva.
Santiago está rodeada pela Cordilheira dos Andes e isso dificulta a formação de
chuva. Não gosto também da poluição que se acumula pela rua, mas este é um mal
de cidade grande.
Qual a relação
dos nativos com brasileiros? Você possui amigos chilenos?
Eles gostam muito de brasileiros aqui. Possuem um
referencial cultural do Brasil estereotipado, mas somos bem vistos no Chile.
Quase sempre eles fazem uma brincadeira relacionada a futebol ou à nossa forma
de falar, mas tudo bem tranquilo. Possuo vários amigos chilenos, alguns que
espero manter a amizade para sempre.
E a relação com
brasileiros? Há muita interação entre os nossos compatriotas? Você já
participou de algum evento?
Os brasileiros no Chile são bem unidos, sempre se
ajudam e isso de certa forma conforta um pouco, reduz a saudade da família.
Todas as vezes que necessitei de ajuda, alguém se prontificou a me ajudar via Facebook.
Agora vai ter uma festa junina, estou animado para ir, mas seria o meu primeiro
evento.
O que é falado
sobre o Brasil por aí?
O Chile simpatiza muito com o Brasil, especialmente
com a cultura. Nossa música é sempre lembrada, desde os populares temas “Onda,
onda, olha a onda...” até a bossa nova de Tom Jobim. O Brasil também é lembrado
como o país do futebol, das favelas e dos contornos únicos do Rio de Janeiro.
Na mídia vejo que o tema é sempre a violência e a prostituição, quando não a
corrupção. Boa parte dos chilenos que conheço já foi ao Brasil de férias e se
dizem encantados com o nosso país e com o povo brasileiro. Ir ao Brasil é tido
como “a primeira viagem internacional do chileno”.
Quais são os
principais ídolos atualmente no país?
Atualmente todos aqui são orgulhosos do Aléxis
Sánchez que hoje joga no Arsenal. Os chilenos são apaixonados por futebol e têm
“um certo” rancor por terem sido eliminados pelo Brasil nos pênaltis no ano
passado. Isabel Allende é uma escritora bem popular, best seller internacional (nosso Paulo Coelho) e sou um admirador
das cantoras Camila Moreno e Javiera Mena. Assim como no Brasil os políticos
não andam muito populares por aqui, rs.
Há alguma
mania/febre no país atualmente?
A febre são as novelas turcas. Não sei se chegou ao
Brasil, mas aqui sempre que resolvo ligar a televisão tem uma nova novela turca
sendo anunciada.
Você
conheceu ou utilizou algum produto ou serviço que recomendaria a ser utilizado no
Brasil?
Eu não sei se existe no Brasil, pode ser que sim e
eu não conheça, mas gosto do serviço de mensagens que os ônibus de Santiago
têm. Você manda um SMS e recebe uma resposta do tempo que deve aguardar até a
condução chegar. É bacana.
E algum produto
ou serviço esquisito, já encontrou por aí?
Esquisito... Em espanhol “exquisito” é algo gostoso,
rsrsrs. No sentido português da palavra eu acho esquisito como quase tudo aqui
é feito com gorjeta. Você vai ao mercado e tem que dar gorjeta à pessoa que
coloca seus produtos nas sacolas; você vai a qualquer restaurante, bar e sempre
te pedem gorjeta, ou deixam uma caixinha para isso. Já teve caso de eu chegar a
um lugar, alguém me abrir a porta e me pedir gorjeta por isso. Ainda não me
acostumei.
Você gosta da
música chilena? Tem algum cantor/banda que recomenda?
Gosto sim. Tem muita coisa boa. Gosto de cantores
clássicos da cultura chilena como Violeta Parra e Víctor Jara, o último foi
assassinado pela ditadura militar de Agusto Pinochet. Atualmente grupos como
“La Ley” e cantoras como Francisca Valenzuela, Javiera Mena e Camila Moreno
sempre estão no meu playlist.
Conheceu alguma
história ou lenda da cultura que pode contar?
Gosto do baile nacional chileno que é a “cueca” (não
dançam de cueca nem nada, haha, cueca aqui é só o baile mesmo). Gosto da forma
como dançam e representam a cultura. Tem uma lenda de Chiloé, uma cidade do sul
do Chile, sobre um navio fantasma chamado Caleuche,
uma embarcação sinistra com pessoas que morreram afogadas no mar. Também
gosto da cultura Rapa Nui da Ilha de Páscoa, é um lugar que me falta conhecer
no Chile e tenho muita vontade.
Existe algum
programa do governo que lhe chame a atenção?
Tem alguns programas regionais que eu gosto, por
exemplo, a Prefeitura de Santiago mantém todos os museus com entrada gratuita.
E acho que o governo chileno tem se preparado bem para catástrofes naturais, já
que o Chile é um país que sofre com terremotos e erupções vulcânicas. Depois do
terremoto de 2010 (um dos maiores já registrados no mundo) o país está mais
preparado para um grande tremor. Os edifícios são construídos para aguentar
tremores e no litoral as placas de tsunami são constantes. No entanto, no
começo deste ano o Atacama, no norte do Chile, foi pego de “surpresa” por
chuvas “anormais” naquela região, e a catástrofe deixou muitos mortos e o norte
do país totalmente isolado.
Eu sinto um amor
genuíno por este país. No ano passado, ao finalizar minha graduação, eu fiz
como produto do meu TCC (trabalho e conclusão de curso) um livro de crônicas
sobre meu intercâmbio aqui em Santiago, chamado “Por Detrás da Cordilheira”. Em
um dos textos eu digo que sempre tive uma premonição sobre este país, que o
Chile era um lugar que eu sempre soube que iria conhecer. E eu estava certo. Hoje
eu me sinto um chileno e uma vontade imensa de sempre aprender mais sobre essa
terrinha, que é a minha segunda casa.
O que mudou em você antes e depois do Chile?
O que mudou em você antes e depois do Chile?
Muita coisa. Eu vim
pra cá com muito medo. Nunca tinha saído de casa e a experiência de mudança foi
brusca, afinal vim pra um intercâmbio morando com uma família chilena que eu
não conhecia e em uma realidade totalmente diferente da minha. Eu me tornei
mais responsável e mais livre da primeira vez que estive por aqui, e nesta
segunda vez acredito que tenho um grande crescimento pela frente. O Chile foi
responsável por grandes mudanças na minha vida e tenho certeza que trará muito
mais.
Se tivesse um filho, quais características ensinaria/gostaria que ele tivesse do jeito brasileiro e da maneira chilena de ser?
Se tivesse um filho, quais características ensinaria/gostaria que ele tivesse do jeito brasileiro e da maneira chilena de ser?
Eu gostaria que ele
fosse simpático e tivesse a alegria do brasileiro, um coração verde-amarelo, e
preferia que ele pudesse ser responsável e centrado como são os chilenos.Viver no Chile é...
Uma aventura no meio
dos Andes!
Que conselhos você daria a quem pretende visitar ou até mesmo se mudar para o país?
Que conselhos você daria a quem pretende visitar ou até mesmo se mudar para o país?
Vir sem
preconceitos, com vontade de aprender e conhecer o máximo; seja pra ficar uma
semana ou anos. Viver em outro país é uma experiência que todos deveríamos ter,
é algo transformador e permite ver a realidade do seu país de origem de outra
forma. Se você escolher viver no Chile venha com a certeza que encontrará um
país em constante desenvolvimento, com um espanhol diferente (quase um
“chilenês”), com paisagens únicas e que tem muito a ensinar e a aprender com os
brasileiros.




0 Comentários